Depois de aflitivo tempo de dificuldades de saúde, que me tiraram deste espaço de informação e opinião, retorno felizmente a tempo de ouvir as vozes ressonantes e ver o desempenho marcante de duas mulheres de representatividade, – apesar de exceções no cenário mundial – a norte-americana Kamala Harris e a brasileira Simone Tebet navegando com firmeza e desassombro no ainda restrito (apesar da retórica avançada e liberal) universo machista e preconceituoso da política em seus respectivos países. Mas, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, abalados por golpes sujos e duros embates, apesar das perdas e danos e alguns reveses dramáticos, a democracia resistiu e consegue avançar. Nós, deste lado abaixo da linha do Equador e do planeta em geral, tivemos a grata oportunidade de acompanhar, neste dia 20/01/21, a emblemática cerimônia de posse do democrata Joe Biden, como 46º presidente eleito dos EUA.
Tudo isso e muito mais – desde as margens do caudaloso rio Potomac, dos contos e romances lidos na minha juventude, nas barrancas do São Francisco, aos arredores do manso lago da “cidade do arquiteto” no Planalto Central do país – contribuíram para que as duas personagens centrais deste artigo sigam velejando com maré a favor, apesar dos pesados vendavais que rondam seus caminhos. Tebet, senadora do MDB de Mato Grosso, lançada por seu partido e aliados à disputa da presidência do Senado, ostenta com habilidade e competência a condição de experiente presidente da referencial Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Agora, escolhida para disputar um posto ao qual só figuras do sexo masculino tiveram acesso na história do Congresso, Simone anda com cuidado no terreno escorregadio deste novo desafio, preocupada em não ampliar abismos de ódios e divisões, marca do país dos tempos atuais, nem dar passos que ela e os que estão ao seu lado possam alcançar.
Num esforço de memória, recordo o artigo que fiz sobre a parlamentar mato-grossense, em 14 de dezembro de 2019 neste espaço. Assinalei então, que antes de assumir o comando na CCJ, Simone Tebet havia demonstrado a força de sua presença no Senado, durante o processo de impeachment de Dilma Roussef, e no começo da legislatura, contrapondo-se ao poderoso de seu partido e do Legislativo, Renan Calheiros. “Que mulher – e que parlamentar – se revela, agora, ao apagar das luzes do ano na oscilante política nacional”, escrevi, então, ao opinar que ali estava talhado o perfil da primeira mulher para ocupar o comando do Senado. O jornalista mantém os elogios e o palpite. A conferir.
Quanto a Kamala, a californiana de San Francisco, típica herdeira do ambiente acadêmico, da cultura, do carisma e sortilégios dos anos 70, navega a todo pano em seu país. A primeira mulher negra a tomar posse como vice-presidente, da mais poderosa nação do mundo, na chapa do democrata Joe Biden, é parte essencial do fenômeno político, social e eleitoral que despachou o republicano Donald Trump –cheio de empáfia e de contas a acertar com a justiça – para ostracismo na Flórida, depois que instigou e esteve à frente da mais irresponsável aventura antidemocrática da história dos Estados Unidos.
Que os ventos e marés sigam favoráveis a Kamala Harris e Simone Tebet para bem da política e da democracia.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail:vitors.h@uol.com.br